domingo, 17 de julho de 2011

FELICIDADE, LIBERDADE, PAIXÃO, AMOR ETERNO, ...

FELICIDADE, LIBERDADE, PAIXÃO, AMOR ETERNO, ...


Tenho comentado em vários posts a lógica daseinsanalítica (ou melhor, o olhar fenomenológico-existencial daseinsanalítico) sobre os ‘princípios existenciais’ dos quais nenhum humano pode se eximir. O cuidar-de-si, a necessidade do outro, a faticidade, a distração, a finitude, são princípios fundamentais (e pontos principais) de toda a lógica daseinsanalítica existencial.
Pensando no comentário de um paciente sobre a “falta de graça’’ de tais suposições, após observação de suas ‘fantasias amorosas’ na busca de vínculos afetivos de longa duração, me veio em mente a suposição de que estamos cada vez mais limitados em ‘’colorir’’ nossas existências criativamente em função de ‘scripts’ (ou modelagem) não só pertinentes às nossas funções enquanto membros de um grupamento social, mas também pertencentes ao maravilhoso-mundo-das-fantasias-para-ser-feliz.  Ou, melhor dizendo, estamos nos impossibilitando a  fazer escolhas criativas para a construção de nossa realidade, muito provavelmente devido à forte influência das “fantasias’’ disponibilizadas no contexto social e cultural. Assim como adquirimos bens para a nossa sobrevivência, também passamos a nos acostumar a juntamente com eles, adquirir fantasias pré-estipuladas para a nossa alegria e bem-estar. Mas, será que essas fantasias realmente nos satisfazem frente as possibilidades inerentes à nossa própria existência?
No âmbito do ‘amor-paixão’, como já vimos no post anterior, criar fantasias parece ser algo da natureza neurofisiológica da nossa espécie, mas, insistir para que essas sejam as únicas possibilidades de dar algum colorido à dureza da existência, e às dificuldades de uma interação afetiva, me parece um dano de potencialidade, já que perde-se contato com o poder de criar e de (re)inventar a própria história de acordo com as próprias possibilidades. (Lembro do caso de uma moça que se relacionava há pouco tempo com seu namorado, apaixonadamente. Em pleno desfrute da paixão, decidiu acabar com tudo pelo descontentamento de não ter sido envolvida numa celebração de ‘Dia dos Namorados’ satisfatória às expectativas dela. Abriu mão de vivenciar a paixão, desfrutar da convivência, o desenvolvimento pessoal, etc., em função da inexperiência dele para realizar seus sonhos, literalmente.
Fazer planos, ter sonhos, criar fantasias, são  pertinentes a nossa necessidade de viver e construir o futuro. Mas porque precisamos ser tão limitados nessas escolhas prévias? Por que precisamos sempre optar pelo ‘’script’’ que adquirimos assistindo a ‘’vida dos ‘’outros’’ acontecer? Se é que elas acontecem desse jeito mesmo ?!?!?! Por que não nos sentimos felizes na medida da liberdade que dispomos para construir a nós mesmos?  Será que existem ‘scripts’ tão poderosos ao ponto de superarem as dificuldades da existência e assim nos libertar da tarefa de construir a nós mesmos e o mundo que queremos compartilhar?
Sinceramente, não sei...(aceito sugestões!!!). Só sei que existir e sobreviver nas dificuldades que se encontram no mundo e, mesmo assim, se manter autêntico apesar delas, me parece ser o melhor BEM que podemos adquirir para a vida. Assim o sinto e compartilho com o mundo. Acredito que esse modo de ser-estar-no-mundo é o lugar  mais próximo a que podemos chegar, do que entendemos como liberdade e felicidade. Possível, vivenciada e compartilhada, apesar de tudo!  Afinal, lembrando do filósofo existencialista francês,  Jean-Paul Sartre: “não se trata do que a vida faz com a gente, mas o que a gente faz com a vida que se apresenta...”, ou algo nesse sentido.
Fantasia, felicidade, amor eterno.... parece que tudo acontece no mesmo padrão de construção do cotidiano.  E ao ler o post de Márcia Tiburi, abaixo resumido, espero complementar e desvelar um pouco mais dessa dinâmica existencial da atualidade. Uma distração pra lá de perigosa.  
(Márcia Coutinho)

Indústria cultural da felicidade
Discursos prontos vendem a ilusão de que ser feliz é acessível a todos na era contemporânea

Sacralização do consumo
(...) A ausência de pensamento característica de nossos dias define a falta de lucidez sobre a ação. Infelicidade poderia ser o nome próprio desse novo estado da alma humana que se perdeu de si ao perder-se do sentido do que está a fazer. Desespero é um termo ainda mais agudo quando se trata da perda do sentido das ações pela perda da capacidade de reflexão sobre o que se faz.
Sem pensamento que oriente lucidamente ações, é fácil se deixar levar pelos discursos prontos que prometem “felicidade”. Perdida a capacidade de diálogo que depende da faculdade do pensamento, as pessoas confiam cada vez mais em verdades preestabelecidas, seja pela igreja ou pela propaganda – a qual constitui sua versão pseudossecularizada. (...)
Tudo isso pode fazer parecer que a felicidade foi profanada para entrar na ordem democrática em que ela é acessível a todos. O sistema é cínico, pois, banalizando a felicidade na propaganda de margarina, em que se vende a “família feliz”, ou de carro, em que se vende o status e certa idéia de poder, a torna intangível pela ilusão de tangibilidade.
Sacralizar, sabemos, é o ato de tornar inacessível, de separar, de retirar do contato. Na verdade, o que se promove na propaganda é uma nova sacralização da felicidade pela pronta imagem plastificada que, enchendo os olhos, invade o espírito ou o que sobrou dele. A felicidade capitalista é a morte da felicidade por plastificação.
Fora disso, a felicidade filosófica é da ordem da promessa a ser realizada a cada ato em que a aliança entre pensamento e ação é sustentada. Ela envolve uma compreensão do futuro, não como ficção científica, mas como lugar da vida justa que se constrói no tempo presente.
A felicidade publicitária apresenta-se como mágica dos gadgets eletrônicos que se acionam com um toque, dos “amigos” virtuais que não passam de má ficção. A felicidade publicitária está ao alcance dos dedos e não promete um depois. Ilude que não há morte e com isso dispensa do futuro. Resulta disso a massa de “desesperados” trafegando como zumbis nos shoppings e nas farmácias do país em busca de alento. (Marcia Tiburi)

Para ler o post na íntegra:

2 comentários:

  1. Gostaria de ler mais sobre "papel" do amor na vida moderna e o que vem se modificando.

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  2. Olá, leitor anônimo!
    Seu interesse parece estar relacionado com a questão do amor romântico e/ou a paixão, já que são esses os temas relacionados ao post de seu comentário.
    Pensando no seu anseio de buscar mais informações sobre o assunto 'na modernidade', me parece necessário que você compreenda a construção cultural do sentido compartilhado por todos nós, daquilo que estamos habituados a reconhecer como AMOR ( enamoramento, apaixonamento, relacionamento afetivo, etc.).
    No site do psiquiatra Jurandir Freire Costa, http://jfreirecosta.sites.uol.com.br/, pode-se encontrar referências do livro de sua autoria "Sem Fraude nem Favor - Ensaios sobre o amor romântico", muito útil para a compreensão da dinâmica amorosa 'na modernidade' resultante de séculos de aculturamento e re-significações sociais.
    Outra fonte boa de informação acerca do AMOR, sexualidade e gênero, é o livro "Feminino e Masculino - Uma nova consciência para o encontro das diferenças", de Leonardo Boff e Rose Marie Muraro.
    Na internet, encontrei o ensaio "A mentira necessária: um ensaio sobre a promessa de amor eterno na sociedade contemporânea", de fácil compreensão, elaborado por Pedro Calabrez Furtado, mestrando em Comunicação e professor de filosofia, disponível em http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_10/contemporanea_n10_pedro_calabrez.pdf.
    Como ciência e filosofia seriam as duas faces da moeda conhecimento, para compreender o Amor, como abertura, disposição, cuidado e encontro essencial entre humanos, sugiro o livro de Martin Buber, EU e TU, que busca o significado mais fundamental da existência humana pela obrigatoriedade de relacionar-se consigo mesmo, com os outros, com as coisas do mundo e até com as coisas fora dele, na liberdade e na criatividade de inter-relacionamentos possíveis.
    Espero que essas dicas lhe sejam úteis, obrigada por participar.
    Márcia Coutinho

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