- E afinal, a abordagem daseinsanalítica....
· DaseinSanalyse (= do alemão: da (aí), sein (ser/estar), analyse (análise) ou Análise do SER no mundo);
o nomenclatura dada à psicoterapia fenomenológica baseada na interpretação acerca do homem e da realidade do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976).
o uma das correntes existencialistas, incorporadas pela Psicologia, que fundamenta ‘cuidados de saúde’ para a humanidade.
A abordagem daseinsanalítica é fenomenológica, porque procura ver sem deformações aquilo que o paciente mostra ao terapeuta. Pois, em sua proposta de realidade, Heidegger, supõe haver um único significado autêntico do SER, cuja essência se encontra na temporalidade própria. Qualquer outra forma de reconhecimento do ser, baseada numa técnica de pesquisa científica, provocaria o esquecimento e a ocultação da verdade do ser. O que não é tão simples como parece, pois esbarra no hábito de se pensar sob as exigências das explicações científicas. Como já visto, neste Blog, nas explicações introdutórias, sobre a perspectiva do acompanhamento psicológico que as pessoas trazem quando buscam a psicoterapia.
O intuito principal da obra de Heidegger foi o de esclarecer o sentido do ‘SER’ (Ser e Tempo, 1927). Contextualizando o fenômeno VIVO e consciente, chamado de ser-humano, a partir de determinantes fundamentais (=iguais para todo mundo) para o existir, o chamado caráter ontológico. A princípio, a Psiquiatria (=ramo da Medicina que trata das doenças mentais) percebeu a importância da concepção heideggeriana da essência do existir humano. A partir do médico psiquiatra Binswanger, o conceito de Daseinsanalyse começou a ser utilizado, e o que era originalmente de ordem puramente filosófica e ontológica (=lógica da existência, do SER), passou a ser utilizado num sentido completamente diferente, ôntico (=referente ao SER de cada um), afastando-se do método científico que até então prevalecia na Psiquiatria e na Psicanálise. Por isso que, desde Heidegger, na descrição dos fenômenos da existência, evita-se a utilização de termos já circunscritos e contaminados de significados, oriundos das ciências sociais ou da psicologia, em favor de uma terminologia (=linguagem) ontológica.
A lógica da existência é essencialmente aberta para todos. E essa abertura consiste no poder compreender as diversas referências significativas que vêm ao encontro do da-sein (=ser-no-mundo). Abertura também como disponibilidade para SER, ou, construir a si próprio para existir com as ‘coisas’ do mundo. Por exemplo, a existência pode ser comparada a uma clareira transparente e estendida para o mundo, onde tudo, do mais próximo ao mais longínquo, tanto espacial como temporalmente, pode vir a seu encontro. Algo análogo àquelas máximas que dizem: “O amanhã a Deus pertence!” Ou, ainda, “Só Deus sabe o dia de amanhã”, representam essa dimensão de abertura para o ‘porvir’.
Assim, se entende que o ‘existir humano’ se encontra numa livre relação com aquilo que é oferecido a ele, na ‘abertura iluminadora’ (=compreensão de significados ) de seu mundo. Em sua essência, o homem, relacionando-se com as diferentes “coisas’’ (ou entes: família, amigos, estudos, trabalho, amor, etc.) que se apresentam à sua existência, tem possibilidades de escolhas e toma decisões pessoais. Assim, ele — e somente ele — deve ser qualificado de ser-si-mesmo, pela responsabilidade que tem para fazer escolhas e dirimir sua própria existência.
“Não tento dançar melhor do que ninguém. Tento apenas dançar melhor do que eu mesmo”. (Mikhail Baryshnikov) |
Portanto, além de ser sempre no modo de ser-com-o-outro, o homem está sempre em relação com as coisas, mesmo quando isso se dá sob a forma da indiferença ou alienação. Isso quer dizer que o homem está sempre situado numa relação de proximidade ou de afastamento com o que se apresenta a ele no mundo. Por meio da alienação ou indiferença, percebe-se uma resposta existencial muito recorrente em nosso cotidiano, pois, o homem encobre os condicionantes existenciais, - aquilo que ele de fato é -, entregando-se a uma rotina de superficialidades "públicas" na vida cotidiana. Não é então ninguém em particular, uma alienação de si mesmo que leva o homem à tendência de se conhecer apenas através da comparação que faz de si mesmo com os outros indivíduos seus pares. Abrindo mão da responsabilidade para com o ‘si-mesmo’, a qual dão forma ao SER-próprio e a maneira como esse se relaciona com sua existência, que tem prazo para se extinguir.
Esta extinção ou finitude, é outra marca fundamental da existência. E é precisamente quando o homem morre que fica evidenciado também algo muito importante. Morto, ele é um corpo inanimado no espaço físico mensurável e isto ressalta a diferença entre este corpo e a corporeidade do homem vivo, já que, morto, tem suas possibilidades esgotadas para com a existência. Por isso que se acredita que, enquanto ainda SER vivo, as ciências não devem considerar o corpo apenas como algo cujo conhecimento se esgota através de estudos baseados em quantificações, medidas e cálculos.
Heidegger compreende a "existência" como o projeto de vida do homem entre o nascimento e a morte. Projeto que tem origem no passado (experiências) rumo ao futuro. Espaço de tempo sob o qual o homem não tem controle e onde esse projeto será sempre incompleto, limitado pela morte que não pode evitar. A percepção de não-saber-o-amanhã, na forma da indiferença ou não, é traduzida pela angústia, a qual funciona para revelar o ser autêntico, e a liberdade como uma potencialidade. Ela enseja o homem a escolher a si mesmo e governar a si mesmo. O poeta, músico e compositor Arnaldo Antunes, tem uma boa descrição do embate entre a angústia e a possibilidade de autoria da própria história(=autenticidade) frente à finitude (=morte) na canção “ATENÇÃO”:“Atenção,
Essa vida contém cenas explícitas de tédio
Nos intervalos da emoção
Atenção,
Quem não gostar que conte outra,
encontre, corra atrás,
enfrente, tente, invente
sua própria versão
Aqui não tem
segunda sessão...
Aqui não tem
segunda sessão”.
(Se quiser, vale a pena ouvir a canção, por meio do link: http://www.kboing.com.br/musica-e-letra/arnaldo-antunes/82042-atencao/).
Assim, Heidegger privilegia o futuro, pois a projeção para o porvir e o vislumbre do fim, que lá está para todos, na concepção heideggeriana é o que leva o HOMEM a pensar e a autoconscientizar-se. O homem pode então introduzir esse conhecimento existencial no projeto de sua vida, e assim se apropriar da existência fazendo-a efetivamente sua, tornando-se autêntico.
Foi essa visão existencial do homem que se tornou sedutora para a psiquiatria, onde o Homem ao tomar consciência das estruturas existenciais a que está condicionado é capaz de sair da superficialidade em que desenvolve seus conflitos. Pois, só uma compreensão da constituição fundamental do homem permite a compreensão de qualquer modo de ser-doente
Ou mais além, só uma tal compreensão do homem permite-nos olhar criticamente o predomínio das Ciências Naturais e do espírito calculista e tecnológico reinantes na sociedade hoje, com todas as limitações patogênicas que disso advêm para a humanidade. Por exemplo, se informe com mulheres com mais de 40/45 anos se elas sabem ou sentem o que é TPM (Tensão Pré-menstrual). Já perguntei a muitas, e não tenho em conta alguma resposta positiva. O que parece é que a faixa etária em questão, não aprendeu a sentir e significar os desconfortos de tal tensão hormonal, recorrente a cada mês, como algo a ser literalmente remediado.
Deste modo, a compreensão daseinsanalítica da constituição fundamental do existir humano, abre igualmente um caminho para a medicina preventiva e para a higiene mental, estas amplamente significativas para melhores escolhas no âmbito individual do ser-aí (dasein) e, consequentemente, no âmbito coletivo e social (no mundo).
Fontes de consulta:
- ABD (Associação Brasileira de Daseinsanalyse). A Constituição Fundamental do Homem à Luz da Daseinsanalyse; O alcance terapêutico da Daseinsanalyse; Como a daseinsanalyse entrou na Psiquiatria. Disponíveis em: http://www.daseinsanalyse.org/historia);
- Cobra, Rubem Q. - Martin Heidegger. Filosofia Contemporânea, Cobra Pages. Disponível em: www.cobra.pages.nom.br .
Esclareceu e materializou...
ResponderExcluirobriga meu caro!
Bom saber, Daniel!!! Obrg!!!
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