quinta-feira, 1 de setembro de 2011

PAPAI NOEL FUMANTE ???? (Os ‘Scripts’ do Marketing)


Já imaginaram, nos dias de hoje, algum tipo de marketing com a imagem de Papai Noel se acalmando com um cigarrinho? Ou ainda, com um bebê orgulhoso por saber que seu pai é fumante fiel de uma determinada marca de cigarro, que ele seguramente vai usar quando crescer?


Imagens incríveis sobre esse tema podem ser, literalmente, admiradas na exposição "Propagandas de cigarro - como a indústria do fumo enganou as pessoas" que está no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, a partir de segunda-feira, 29 de agosto, Dia Nacional de Combate ao Fumo ).

O objetivo é explicitar como a indústria do tabaco manipulou informações, utilizando falsas verdades para camuflar o fato de que seus produtos provocam graves problemas de saúde, como enfisema pulmonar e câncer (mais detalhes sobre a exposição no link : http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultimas-noticias/2011/08/29/sao-paulo-tem-exposicao-sobre-propagandas-enganosas-de-cigarros.jhtm).

Observem que o que nos parece óbvio HOJE EM DIA, há algum tempo atrás não era assim percebido. Já estamos todos muito bem informados sobre os malefícios do tabaco no organismo e no meio-ambiente. Desde às bitucas ou guimbas, à poluição atmosférica e até aos agrotóxicos nas plantações, entre outros danos. Portanto, o que torna essa exposição ainda mais interessante é justamente tornar evidente  a forma como mudamos e criamos opinião acerca dos fenômenos a nossa volta. São os denominados “agenciamentos de enunciação”, como diria Félix Guattari, em seu livro as Três Ecologias (1998).
Guattari (1998) sugere uma reinvenção dos modos de ser coletivos, numa tentativa de devolver à humanidade sua condição de ser integrado ao mundo, ao contrário da fragmentação e do isolamento que hoje nos é apresentado tanto pelo estilo de vida consumista quanto pelas teorias individualistas pós-modernas (a primazia do EU). Para isso apresenta a “ecosofia” como uma nova maneira do homem pensar sua relação com o meio ambiente, com sua sociedade e até mesmo com sua subjetividade (o si-mesmo). Ele nos estimula a questionar todas as esferas sociais, e a “reinventar maneiras de ser no seio do casal, da família, do contexto urbano, do trabalho, etc.”.

Por exemplo, qual a sensação de ver essas imagens após tantos  anos de informação antitabagista?  Muito foi aprendido desde aquela época, em função de tantas outras campanhas sobre os malefícios do cigarro. Reinventou-se toda uma lógica sobre a questão, não é mesmo?

Isso diz respeito à forma como certos valores  são engendrados subliminarmente em nossas mentes, para que sem nenhuma reflexão sejam cotidianamente reforçados em nossos conceitos e hábitos pessoais.  Isso também diz respeito à construção de nós-mesmos ou, ainda no linguajar ‘psi’, isso diz respeito, a grosso modo, à construção de subjetividades, que significa o sentido que damos ao nosso modo próprio de pensar e avaliar a nós mesmos e o mundo ao redor. Por isso que,  Guattari (1998) enfatiza que é de extrema importância para todos encarar os efeitos desta forma de controle social “no domínio da ecologia mental, no seio da vida cotidiana individual, doméstica, conjugal, de vizinhança, de criação e de ética pessoal”.

Não é a toa que já nos cartazes de época, entre os anos 40 e 60,   podem ser identificados vários elementos formadores de opinião coletiva (constructos sociais), os  quais ainda se mantém presentes nos ‘’agenciamentos’’  de subjetividades na atualidade e, talvez, com maior força. Como ‘agenciamentos’, entende-se a exaltação de modelos de comportamento  apresentados como ‘’ideais’’ para os indivíduos. Os ‘scripts’ que têm o apelo de garantir esforços desnecessários para a nossa existência ‘’feliz e saudável’’, dentro de um cotidiano conturbado, pouco acolhedor e doente:
  - magreza (aceitação e/ou atenção    
    social),
  - sedução (conquista e sexo),
  - poder (acesso e controle),
  - a sensação de bem-estar, uma das  
    características do uso (ou    abuso) de
    drogas (a felicidade).

Nestas mesmas mensagens publicitárias encontram-se subliminarmente  o receio de ser excluído dos benefícios sociais por trás dos ‘scripts’: ser gordo, ser deprimido, impotente, não encontrar aquele grande amor, o medo da solidão, a falta de sexo, a falta de atenção de outros humanos. Além de acentuar a rivalidade ou competitividade com o outro que possui produtos melhores que os seus (carros, roupas, eletrônicos, etc.), e/ou que tem o corpo ‘melhor’ e que, portanto, é mais ‘’feliz’’ do que você. Enfim, entre tantas outras possibilidades interpretativas reais, o que se vê nestes apelos publicitários são respostas  que dão conta da natureza humana. E, que existencialmente pensando, é a natureza do ‘não-saber’ antecipadamente as respostas necessárias para a existência própria, ao contrário das aranhas que já nascem sabendo tecer suas teias.

Como vimos, a Psicologia também atua na publicidade e no marketing. Ao que parece, tudo começou no início do século XX, com  John Watson (1878-1958), psicólogo americano fundador, em 1913,  da abordagem psicológica chamada de Behaviorista (Comportamentalista). Durante seu trabalho como pesquisador e professor de psicologia experimental na Universidade John Hopkins, em Baltimore, consolidou sua reputação  como um dos principais pesquisadores na área da psicologia animal. Desenvolvendo pesquisas em biologia, fisiologia e comportamento de animais e crianças, concluiu que o comportamento humano era sob muitos aspectos semelhante ao comportamento animal. No manifesto behaviorista,  publicado sob o título de “Psychology as the Behaviorist Views It” (“A Psicologia como os Behavioristas a vêem”, de 1923), Watson afirma: “O behaviorista, no seu emprenho de obter um esquema unitário da reação animal, não reconhece nenhuma linha divisória entre o homem e o animal”.
 Por isso, achava que  todo comportamento humano poderia ser compreendido em termos de estímulo e reação (por exemplo, estímulo ‘comida’ à resposta ‘salivação’). Alegando ainda que, ao contrário da psicologia introspectiva (que considera o estudo da mente humana), o behaviorismo permitiria aplicações práticas que afetariam positivamente a vida das pessoas, já que apresentava como objetivo de suas teorias  a previsão e o controle do comportamento humano.
O grande mérito conferido a Watson foi a junção do pensamento científico ao marketing. Pois, acabou por levar seu conhecimento de psicologia para a publicidade e o marketing, chegando a presidente da J. Walter Thompson, uma das maiores empresas de publicidade dos Estados Unidos. Lugar onde colocou em prática alguns de seus conceitos acerca das três emoções básicas do ser-humano: medo, raiva e amor. Por exemplo, numa campanha para a Johnson & Johnson, com o testemunho de médicos especialistas, a mensagem para os pais era a de que, se não usassem o talco deste fabricante, arriscavam-se a expor seus bebês a graves infecções.  Algo ainda muito comum nos nossos dias...


Dentro da premissa de que os seres-humanos podem ser condicionados a se comportar como qualquer outro animal, pode-se inferir que, as campanhas publicitárias se utilizam de valores e mensagens comprometidos com uma visão de  humanidade muito básica. Incompatível com as prerrogativas humanistas a que todos deveríamos estar submetidos para um desenvolvimento pessoal e coletivo inerente à mais ampla e irrestrita potencialidade humana.   Ao acentuar em nós a busca por recompensas fundadas em nossas necessidades animais (e primitivas ?!?!), esquecem-se  que para construir um ‘mundo melhor’, a humanidade necessita urgentemente de conteúdos que reforcem e enriqueçam a capacidade que temos  de interceder  no curso natural das coisas, fenômeno que nos distingue de qualquer outro animal.

Temos que estar atentos para o fato de que nada é veiculado ou ‘’agenciado’’ por acaso. Lembrem-se sempre disso. Observem vocês mesmos os conteúdos dos cartazes de propaganda de venda de cigarros e percebam as similaridades com as tantas mensagens que recebemos todos os dias.  E pense, será que realmente precisamos mesmo de tantos produtos  para fazer a vida acontecer?  Será que com tantas demandas do tipo “TEM QUE”, estaríamos mesmo nos recompensando? Adianta ter tantas coisas sem perspectiva de futuro para o planeta?  E quê mundo é esse em que vivemos?

Apesar das aparências, não estamos sós. Assim como precisamos encontrar respostas para quem somos, precisamos também de nos relacionar com tudo o que está no nosso entorno. Sozinhos, individualmente, podemos muito pouco. A lógica dominante se esforça por gerar o encantamento “no mundo da infância, do amor, da arte, bem como tudo o que é da ordem da angústia, da loucura, da dor , da morte, do sentimento de estar perdido no cosmos... “ (Guattari, 1998), anestesiando e neutralizando o potencial criativo de toda humanidade.  A existência por si só já se encontra carregada de tarefas difíceis. Escolhendo o mundo em que possamos viver menos inospitamente possível, estaremos verdadeiramente cuidando de nós mesmos e do todo a que pertencemos.  A fim de um ecologia humanista, social e ambiental, temos que trabalhar para a humanidade e não mais para um simples reequilíbrio permanente de um porvir ameaçador  e das suas lógicas doentias.
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NOTA:  Para entender melhor a questão da construção de subjetividades e a respectiva manipulação ou neutralização do poder crítico de cada indivíduo, assista ao vídeo vinculado à campanha “Pelo fim da publicidade às crianças” no site do Conselho Federal de Psicologia (CFP IN: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/videos_091212_002.html )
                                                                   

             
Psicólogos explicam os motivos da campanha do CFP 
a favor de nossas crianças                                   

Ou ainda, leia a publicação do Vaticano, que por séculos sugeriu que os recursos naturais disponibilizados por Deus seriam inesgotáveis, opinando sobre a gravidade dos conteúdos publicitários para a ecologia mental, ambiental e social:

 “A publicidade que encoraja um estilo de vida desregrado, desperdiçando os recursos e saqueando o meio ambiente, causa graves prejuízos à ecologia.  O homem, tomado mais pelo desejo do ter e do prazer, do que pelo de ser e de crescer, consome de maneira excessiva e desordenada os recursos da terra e da sua própria vida... Pensa que pode dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem reservas à sua vontade, como se ela não possuísse uma forma própria e um destino anterior que Deus lhe deu, e que o homem pode, sim, desenvolver, mas não deve trair. Trata-se, sem dúvida, duma questão de vital importância: o progresso integral e autêntico da pessoa humana. A publicidade que limita o progresso humano à aquisição de bens materiais e encoraja um estilo de vida fastoso, exprime uma visão falsa e destruidora da pessoa humana, nefasta para os indivíduos e para a sociedade”.  (Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais – Ética da Publicidade, publicação feita pelo Vaticano em 22 de fevereiro de 1997, disponível na íntegra pelo link: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/pccs/documents/rc_pc_pccs_doc_22021997_ethics-in-ad_po.html ).
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Fontes ou para saber mais:

- BENÍCIO, Mila. A Violência na Linguagem  Revista Garrafa, UFRJ (Letras), JUL-SET, 2007. Disponível em: < http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/revista_garrafa14.html>.

- COBRA, Rubem Queiroz - Educação e Comportamento: Resumos Biográficos. Site   COBRA PAGES,  Brasília, 2003. Disponível em: http://www.cobra.pages.nom.br/ec-  watson.html.

- GOODWIN, C. James. História da Psicologia Moderna. São Paulo, SP: Ed. Cultrix, 2005.

- GUATTARI, Félix.  As três ecologias. Campinas, SP: Ed. Papirus, 1998.



2 comentários:

  1. Exercitar o pensar e o pensamento crítico é um grande desafio no meio de tantos recursos alienantes, mas sem dúvida é o caminho para dar sentido verdadeiro à essa fantástica e inigualável experiência de viver esta vida.
    Adorei o post. Parabéns e sucesso no seu trabalho.

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  2. Caro(a) Leitor(a) anônimo(a),
    Agradeço muito pelo belo resumo do sentido deste Blog. E ainda mais, pelo reforço !!!!
    Apareça sempre, ok?
    um abraço,
    Márcia Coutinho

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